Presidente do DAAD: É preciso redefinir a "science diplomacy"
Prof. Mukherjee, o que, neste momento, deu origem à reflexão sobre a definição de uma nova política externa alemã no campo das ciências?
A guerra da Rússia na Ucrânia introduziu um corte na história europeia, definido pelo chanceler Olaf Scholz como um “ponto de virada” para a Europa. A ciência alemã reagiu imediatamente de forma enérgica, mas, infelizmente, nem a guerra vai se configurar como um episódio passageiro, nem os seus reflexos sobre as relações científicas internacionais serão de curta duração. Surge, então, a necessidade de o mundo agir como uma comunidade de responsabilidade global. O intercâmbio acadêmico internacional e a cooperação científica que extrapolam fronteiras são, diante das atuais rupturas políticas e dos desafios globais, mais necessários do que nunca. Ao mesmo tempo, tanto o intercâmbio quanto a cooperação tornaram-se mais complicados e arriscados, porém, para o futuro, eles são essenciais. É por causa disso que necessitamos de uma política realista baseada em uma “Science Diplomacy” (diplomacia científica). Ela deve enfrentar de forma consciente as crises globais, as convulsões e as rivalidades entre os sistemas e posicionar-se diante das demandas de um mundo em transformação.
“Science Diplomacy” como abordagem para orientar as relações da política externa da República Federal da Alemanha na área das ciências em um mundo globalizado já existia. O que há de novo agora?
A presunção de que uma cooperação baseada em valores teria, inevitavelmente, efeitos positivos provou-se otimista demais. Contatos entre estudantes e cientistas, assim como entre universidades e instituições científicas não levam automaticamente a mais tolerância e entendimento mútuo, a uma valorização de todos os participantes, nem mesmo à promoção de valores liberais e democráticos. É necessário um processo sensível de negociação e de ponderação de riscos para que um intercâmbio internacional contribua para a solução dos desafios globais – e também contribua para transmitir valores e ampliar espaços. No futuro, precisaremos ser mais cuidadosos e proativos com a “Science Diplomacy” do que fomos até agora.
Quais demandas uma política externa na área das ciências precisa atender na década de 2020?
Uma nova política externa na área das ciências deveria abrir um espaço no qual fossem possíveis negociações internacionais – em condições de igualdade – de posições e objetivos acadêmicos, científicos e políticos entre parceiros e, eventualmente, também entre concorrentes. Ela não deve estar unilateralmente voltada a intervenções do poder político, mas precisa satisfazer determinados princípios, isto é, deve estar consciente de seus valores, baseada em responsabilidade, orientada para interesses, diferenciada regionalmente e ponderada em seus riscos.
O que está por trás desses cinco princípios?
O passado mostrou que no âmbito do intercâmbio acadêmico, valores como liberdade científica e integridade científica não se transmitem por si só. Essa é a razão pela qual os colaboradores do sistema científico alemão, cientistas e estudantes são solicitados, seja no contato pessoal ou em eventos públicos, a expressar valores e convicções democráticas. Como parte da sociedade civil alemã, eles são instados a agir no exterior como “Science Diplomats” (diplomatas da ciência). No entanto, isso não funciona da mesma forma em todas as regiões do mundo. Ao contrário, precisa ser fundamentado regionalmente, de forma específica. Também as universidades e os seus membros devem se entender como participantes de uma comunidade de responsabilidade global. A nova política externa na área das ciências precisa enfrentar de forma decisiva os grandes desafios de nosso mundo como a mudança climática, o declínio da biodiversidade e o risco de pandemias, fazendo contribuições substanciais.
Isso não demanda uma mudança geral no pensamento estratégico da política externa da área das ciências?
Sim, especialmente no relacionamento com nações que a utilizam como força política e geoestratégica, é preciso, do lado alemão, que os interesses acadêmicos, científicos e políticos estejam claramente definidos. Política externa na área das ciências também é política de interesses. Ela não exclui a orientação para valores, responsabilidades e interesses, mas reúne-os em uma única direção: para uma reflexão regional específica sobre os efeitos, oportunidades e também sobre riscos abrigados no intercâmbio acadêmico internacional.
Como o DAAD implanta essa nova política externa das ciências em seu trabalho?
O DAAD dispõe de uma reconhecida e valiosa rede de escritórios e centros de informação em todo o mundo. Esta é uma base muito importante, porque não só a confiança é criada localmente, mas ali também é reunida a expertise. É ali que ocorre não só o estabelecimento de um diálogo científico, mas também o diálogo da sociedade civil. A presença local, por outro lado, ajuda a construir pontes junto às nações que consideramos nossos concorrentes. No passado recente, o DAAD reagiu muito rapidamente às crises e desenvolveu propostas para estudantes, doutorandos e cientistas, especialmente aqueles atingidos pela turbulência global.
Incluídos aí estão, por exemplo, o National Academic Contact Point Ukraine ou o programa Hilde Domin, que apoia estudantes e doutorandos que não conseguem dar continuidade a seus estudos ou pesquisas porque estão sendo ameaçados ou perseguidos em seu país de origem. O DAAD também adapta continuamente seu portfólio de programas aos desafios do presente e do futuro, na medida em que, por exemplo, recomenda centros internacionais de pesquisa sobre clima e saúde ou define programas para promover gestores na Síria ou na África.
Em resumo, o DAAD já está envolvido com as questões urgentes de nosso tempo e utiliza de maneira responsável os princípios mencionados, tanto no âmbito técnico quanto no âmbito regional de seus programas. Estes são, do ponto de vista técnico, exigentes e requerem supervisão profissional, mas estabelecem, ao mesmo tempo, as bases para uma cooperação confiável e de longo prazo. Porém, eles só podem ser implementados se também houver um financiamento suficiente e estável no futuro. Aqui temos que atuar como um parceiro confiável e não menos dependente do apoio financeiro do governo federal, que recentemente confirmou, em seu acordo de coalizão, a grande importância do trabalho do DAAD para a política externa alemã.
Entrevista realizada por Benjamin Haerdle em 11 de julho de 2022.
Fonte: DAAD